segunda-feira, 18 de março de 2024

Desalento



Fico-me neste silêncio retumbante,

destemido,

Que me cai nas mãos, na pele, na alma

como se de uma peça de roupa se tratasse…

Já poucas palavras me vêm à boca, assomam,-se aos lábios e pouco mais sei que tenho de fazer.

Instalou-se este desalento, esta quietude possivelmente demasiado quieta

E eu, que nada prevejo mudar, coloco as mãos uma sobre a outra e assumo que sou um ínfimo pedacinho de vida que um dia, como todos os outros pedacinhos

Também se vai.


Ir, não me assusta, nem me preocupa, o que me preocupa é esta dor que ainda cá está

e provavelmente ainda cá fica e que não sei porque a sinto, porque a abrigo, como se de mim fizesse parte.

Se tentar explicar o que sinto me devolvesse o alento, quantas palavras pescaria no mar mais profundo do meu ser 

E traria aos lábios para que pudesse eu ser primavera em flor no fulgor da vida.

Mas falar não me liberta, porque nem eu mesma sei se entendo o que sinto, o que sou, o que sei

E o tanto que esta dor me emudece, me molda, me acorrenta. 


Pouco há que me prenda, mas tanto há que me amarra…

E logo eu, que se fosse apenas coração, batia somente pela liberdade de viver...

    

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Poção



Juntei os silêncios num caldeirão com pós de perlimpimpim,

misturados com mais uns sonhos e desejos,

uns olhos de quem tudo vê e um coração de quem tudo sente,

umas mãos de percistência e a luz da sabedoria.


 De varinha em punho

fiz brilhar estrelas na noite mais escura,

fiz surgir fadas e gnomos mágicos com flautas coloridas e poderes incríveis.

Dancei as mesmas danças que só dançam os que sonham;

disse a mesma presse que só dizem os que creem;

e atrevi-me a viver como só vivem os que imaginam.


Adicionei os versos soltos escritos pelo tempo,

Dei às palavras outras cores, dei outros ritmos aos tambores e gargalhei até que tudo pudesse acontecer,

chorei até que tudo deixasse de doer…

e desenhei amor onde nada mais havia para além do vazio.


Juntei ainda à poção uma pitada de loucura e mistério,

umas lascas de esperanças e a essência dos sorrisos,

 uns pingos de chuva e um toque de luar.


Afinal a bruxa era eu e enquanto vivi, em poemas, por um dia, não houve feitiço que não fizesse.


E assim sei que na poesia, por magia

  aconteci!



quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Deixa-me — (Um Arco-íris Poético)


In: Poesia Reunida, No Fim do arco-íris, Poema integrado na coletânea poética: Um Arco-íris poético; um lançamento Pastelaria Estúdios Editora.




Deixa-me pintar o mundo nos meus olhos

e ver defronte um arco iriz infinito.

Amar é ter asas para chegar tão longe como o sonho
e depois de voar, pousar certamente sem medo…

Deixa-me morrer de amor e de alegria,
segundo a segundo, momento a momento,
porque se quer, porque se sente.
E eu sinto… Sentes?

Deixa-me sonhar-te mais um pouco,
imaginar-te a tocar aquela linha entre o céu e o mar,
para trazeres aquela estrela que te saiu da mão
num sopro, num sorriso todo teu…

Deixa-me escrever e descrever
o que não dizes, o que não digo.
Aquele segredo nosso, que nos cabe num poema
e que nos vive nos abraços tão cheios de espaço
para amar…



Deixa-me colher flores no jardim
e plantar sonhos perfumados,
para que os possamos concretizar quando formos borboletas
e o amor nos devolver as asas que os desencantos nos teimam em roubar.

Deixa-me tocar-te as pálpebras e descobrir as cicatrizes do que já te aconteceu.
Eu vou deixar que toques as minhas cicatrizes,
para que percebas que também já fui ferida em batalhas,
mas ainda sou capaz de amar e voar,
porque o coração tem asas que só o amor lhe dá -  eu sinto, sentes?


Deixa-me sonhar mais um momento. 
O relógio ainda não parou, e a vida começa agora,
num passo rumo ao desejo de continuar…
Continua comigo, que ainda não chegámos ao fim deste imenso que somos,
e eu ainda espero por voltar a ver o teu sorriso.

Deixa-me contar as estrelas mesmo que sejam distantes.

Que elas acreditam, se lhes disser,
que como este, tenho mais mil poemas por escrever…

 

Peço-te: continua comigo,
que ainda há um verso guardado por escrever.
E nós somos cúmplices do tempo,
e o que nos une, é tudo o que deixámos acontecer…

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Luar de Prata



Contei à lua mil e um segredos

e dela nada ouvi. Calou-se.

Não me contou segredos, porque não os tem, 

não me revelou nada, porque nada havia a revelar. Mas revelou-se,

como num lençol de sonhos e de prata;

e envolveu-me como outros braços há muito que não o fazem,

e despiu-me de medos, como há muito não me despia,

e vestiu-me de calma, como há muito não me acalmava.

E ao meu ouvido disse, baixinho - 


Fiz- te a cama... Agora dorme;

que todo o tempo tem o seu tempo de acontecer…



terça-feira, 15 de março de 2022

Anoitecer

Anoiteço… 
A vida corre fria lá fora e da janela encaro-a.
Temo-lhe a pressa com que vai, mas acompanho-a com os olhos
e as mãos a formigar de desamparo, porque como quase sempre
eu não sei a que me agarrar.

Peço, num suspiro profundo, que a vida pare.
Não consigo acompanhar a sua pressa mas nadalamento,
porque ainda existem milhões de estrelas para contar…
e eu que gosto tanto de vê-las, não sei como o deixar de fazer.

Anoiteço…
e faz frio lá fora.
A vida ainda corre e eu ainda estou à janela.
O poema nasce das minhas mãos inquietas e desta alma que teima em viver sonhos
enquanto a vida corre, o mundo aanoitece
e eu anoiteço, também…

Dou, por rebeldia, asas ao poema,
porque as mãos não se acostumam à quietude
e eu sei que as noites são dos poetas,
os poemas das estrelas e eu
sou livre para sonhar, mesmo que a vida corra,
A noite acabe e este poema tenha fim…

Até chegar o amanhecer.


segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Detalhes



Podia começar por um: Olá, como estás? Continuar dizendo-te que estou bem e que a vida vai como tem de ir; 

mas isso seriam pormenores, detalhes tão irrelevantes que só serviriam para nos pôr a pensar no que já não volta.

Serviria também para adiar o que já não tem adiamento possível,

talvez porque eu própria já não queira, ou porque o morador do meu peito, imperador do meu destino,

já não quer…


Sabes? No fundo só te escrevo por uma questão de detalhes,

porque os meus livros estão fartos dos meus olhos e dedos sedentos de respostas,

Os meus poemas estão cansados de outros tempos

e as minhas plantas estão com cara de poucos amigos e os amigos insistem em perguntar por ti.

Escrevo-te porque quem cá vem de visita diz que há demasiado de ti nesta casa e eu, com cara de desentendimento fingido, continuo a dizer que não noto nada.

Mas noto, claro que noto, mesmo que sejam só detalhes mínimos.

Então peço-te que assim que possas passes cá por casa e leves os sinais que cá deixaste,

os restos que te esqueceste e que, desculpa que te diga,

por serem só restos,

 também não os quero.

Vem e leva os quadros nas paredes onde pintaste a tua história;

os trofeus que um dia me imprecionaram, confesso,

e a única fotografia em que deste espaço para mim,no teu espaço.

Leva também o cinzeiro com as pontas dos teus cigarros e com os estilhaços das tuas expectativas,

o copo onde deixavas palavras em troca de conforto e as folhas com rascunhos de poemas que nunca foram para nós,

talvez porque, a bem da verdade, nunca tenhamos sido nós.


Passa cá e não tenhas medo.

Já faz muito tempo desde que sequei a última lágrima vertida em teu nome,

já faz muito tempo que arrumei a cabeça e o coração e ensinei-me a ser eu a dona dos meus paços.

Por isso, vem e não tenhas medo.

Só te peço agora que sejas tão livre como eu, e que o pó do passado fique onde lhe pertense e com o que te pertence, construas para ti o teu caminho.


Como te disse o que me leva a escrever-te são só detalhes, mas são os detalhes os tijolos de uma história e eu preciso do espaço dos teus detalhes para recomeçar por mim.

É aquilo a que uns chamam de amor próprio, mas eu chamo de recomeço.

Sei que quando chegares e levares o que é teu, fechamos a porta ao passado, damos um aperto de mãos na despedida e num sorriso apagado perguntamo-nos sem falar: como foi que isto aconteceu?

Mas as palavras ficam no silêncio dos olhos, porque tudo o que se passou foram detalhes, e pouco importa agora o que ficou por acontecer. 


Termino o que me levou a escrever-te dizendo-te que a vida é feita de Amor e

o Amor é feito de detalhes — que a nossa história seja apenas um detalhe, numa vida inteira plena de Amor…